No Maranhão o termo encantado é usado nos terreiros de mina, tanto nos fundados por africanos quanto nos mais novos e sincréticos, e nos salões de curadores ou pajés. Refere-se a uma categoria de seres espirituais recebidos em transe mediúnico, que não podem ser observados diretamente ou que se acredita poderem ser vistos, ouvidos ou sentidos em sonho, ou em vigília por pessoas dotadas de vidência, mediunidade ou de percepção extra-sensorial, como alguns preferem denominar. São voduns, gentis (nobres) caboclos e índios que moram em encantarias africanas ou brasileiras e que incorporam em filhos-de-santo. Apesar de totalmente invisíveis para a maioria das pessoas, os encantados tomam- se “visíveis” quando os médiuns em quem incorporam manifestam alterações de consciência e assumem outra identidade, a de um determinado encantado, o que geralmente ocorre durante a realização de rituais. Esses encantados apresentam-se geralmente à comunidade religiosa como alguém que teve vida terrena há muitos anos e desapareceu misteriosamente, tornando-se invisível, ou como seres que nunca tiveram matéria, mas podem também se comunicar com as pessoas incorporando em médiuns. Os encantados não são considerados espíritos de mortos, como os “eguns” do candomblé e os espíritos que se comunicam com as pessoas em centros espíritas e em seções de mesa branca, nem mesmo quando se acredita que tiveram vida terrena. Pertencem a outra categoria de seres espirituais43.
Os encantados da mina são freqüentemente comparados aos “anjos de guarda” entidades muito conhecidas no catolicismo popular. São protetores dos homens dotados de poderes especiais que estão “abaixo de Deus e dos santos” (mártires e outros), mas, ao contrário dos anjos de guarda, podem castigar severamente seus protegidos, como narrado em casos registrados por nós no livro “Maranhão Encantado: encantaria maranhense e outras histórias” (FERRETTI, M. 2000, p.97). Afirma-se em São Luís que os encantados nunca levam propriamente as pessoas ao mal, embora possam levá-las a certos comportamentos desaprovados socialmente, pois, segundo a mitologia, muitos são alcoólatras, violentos, irreverentes como os da família de Légua Boji – entidade controvertida que para uns é um caboclo, filho adotivo ou afilhado de Dom Pedro Angassu (classificado como vodum ou gentil – nobre associado a orixá), para outros é um vodum cambinda e há quem afirme que ele é o poderoso Légba da cultura daomeana (jeje), que corresponde ao Exu da cultura ioruba (nagô). Em alguns terreiros da capital maranhense, as entidades espirituais não africanas ou caboclas mais antigas são denominadas·”vodunsos”, como ocorre no Terreiro Fé em Deus, de Mãe Elzita, onde Caboclo Velho, entidade por ela recebida, também conhecida por Sapequara, o que atesta a influencia da Casa das Minas – terreiro jeje fundado na primeira metade do século XIX – em outros terreiros. Mas, de modo geral as entidades da mitologia indígena brasileiras como o Curupira, ou da mitologia cabocla, como a Mãe d´Água, não são denominadas “voduns”. Afirma-se que, no passado, essas entidades brasileiras não eram conhecidas em terreiros de mina de São Luís. Eram recebidas por pajés e curadores e só entraram quando estes, fugindo de perseguições policiais, pois o curandeirismo era e ainda é crime contra a saúde pública no Código Penal Brasileiro, passaram a abrir terreiros de mina.
A RELAÇÃO DO BUMBA-MEU-BOI COM ENCANTADOS NO MARANHÃO44 Embora o Bumba-boi seja classificado como folguedo profano, sua relação com santos católicos é bastante conhecida. Em São Luís, São João, São Pedro, São Marçal, e Santo Antonio, festejados no período junino, são muito ligados ao Boi. Muitos grupos de Boi que hoje se apresentam nos arraiais e adotaram … LEIA MAIS NO BOLETIM 42